segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Parte Dezessete: O que eu preciso dizer, sem dor.

- Então Rilke, o que tens a dizer?
- Estão tão assim ultimamente. Acho que estou antecipando a minha preguiça.
- Preguiça de quê?
- Meu próximo desafio é a Montanha. Subir e descer é a minha meta.
- E já passou a floresta?
- Sim.
- E me diga uma coisa, como foi na Mansão? Encontrou o tal da foto?
- Foi horrível. Eu briguei com o Paulo Pirata porque ele pegou um outro caminho e não me avisou. Até onde eu sei, ele pode ir ou deixar de ir aonde quiser e fazer o que quiser, e não me deve satisfações. Mas quando isso me envolve, acho que gostaria de um pouco mais de er... moral. Entende?
- Entendo sim.
- Você não entende como é bom ter alguém que nos entende.
- Entendo sim.
- Mas o que mais me deixou com raiva foi ele tentando me obrigar a ser feliz. Um dia eu escrevo um manifesto contra a obrigatoriedade da felicidade. Só vou ser feliz quando estiver feliz. Tomei essa decisão. E você não sabe o quanto isso me fez bem.
- Um dia você vai me contar, não é?
- Vou sim. Com certeza.
- E o da foto? Fala homem!
- Foi horrível, já disse. Não sei quem ele é, nem o que pensa. Não houve como conversar direito. Sei que ele carregava uma espada.


- E eu fiquei sozinho à noite, perdido na Mansão. O capitão da Deo e o homem da foto saíram, foram dormir, e eu fiquei lá com medo dos assaltos que poderiam ocorrer do lado de fora. Preferi esperar o dia raiar. E para o quê? Não é que dentro da Mansão me encontrei com um assaltante que me roubou o juízo! Fui fraco.
- E os teus sabres?
- Eu só levei o quinto, por viar das dúvidas e para não estar indefeso. O outro eu escondi onde ninguém mais encontraria.
- E sobre a Floresta?
- Prefiro não comentar agora. Só sei que Decerto provavelmente está começando a ruir. Talvez ela esteja melhor do que eu.
- Como assim?
- Por que as pessoas mentem?
- Você mentiu para quem?
- As pessoas mentem para proteger o que elas amam? Quer dizer, então a verdade não basta para proteger o que verdadeiramente amamos?
- Você mentiu para quem?
- Para aquele quem eu prometi ser sincero.
- E como se sente?
- Com uma rachadura na proa.
- E por que mentiu?
- Porque sou fraco.
- Por que mentiu?
- Medo. Talvez a mentira seja um grande medo. Só os covardes mentem? Eu sou um pirata, mentir não devia ser problema.
- Aí depende do que é ser um pirata. Não concorda?
- Pensava em dizer exatamente isso. Só não disse porque você foi mais rápido.
- E o que você vai fazer agora?
- Torcer pra nem toda mentira ter perna curta. Coloquei a culpa na bebida, mas a culpa mesma foi minha. E para piorar eu não bebo.
- Você acha que ser fraco é ruim?
- Eu acho que eu devo pegar o que eu consegui na floresta e seguir em frente.
- Uma pergunta?
- Não. Perguntas eu não tenho nenhuma. Apenas as respostas, e ainda assim...

Noussa

Hoje eu vi o Pedro que eu estava queixando, queixando o Pedro que me queixou.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Parte Dezesseis: Brevitude

Esta parte será breve para não ser muito chata.


Eis que Rilke saiu da cidade pensando saber as respostas. Mas, que que adiantava? Quantas perguntas no mundo poderia ter aquelas respostas? E como saberia o capitão que estava com as perguntas certas em mente?

Caminho um pouco bastantemente. Não tinha em mente que caminhos os levariam, mas sabia que o tempo... o tempo não para. Ainda assim, não quis correr. Mesmo sabendo que o tempo corria, ele resolveu não ter pressa. Caminhou em direção à floresta. Não tinha em mente qual a sua meta, então, estabeleceu a sua meta. Atravessaria a floresta. Apenas. De uma ponta para outra.

De tarde, comeu um pouco e pensou consigo sobre aquela carta. Não conseguia se lembrar se realmente não havia colocado o endereço na carta. E se houvesse endereço? Ficou preocupado por não se lembrar disso. Existem no mundo algumas palavras que ocupam um lugar, mas nunca devem ser ditas.

Caminhando na estrada, o Capitão viu um retrato. Reconheceu Paulo, antigo Peão, agora Pirata também; na foto com outra pessoa. E o Capitão quis conhecer essa outra pessoa. Quem será? O que será? Qual o seu papel, seu lugar no mundo? Será que luta? Que pertence ao mar?
Copiou o retrato para si.

Continou caminhando. Parou. Era possível ver a Floresta se aproximando. Dentro de algum tempo, estaria dentro daquele lugar que no momento era apenas uma vista. E a vista prenunciava uma escuridão.

Que havia lá? Que existem dentro de florestas? Cada pessoa, ao pisar em uma floresta, via algo diferente. Alguns observavam a terra molhada, outro a variedade de insetos, alguns a vida abundante, outros as vistas que enchem os olhos e alguns outros a beleza verde que cercava o lugar.

Fez as pazes com o principe do reino vizinho ao principe do Rilke. Pensou em perguntar sobre a carta, mas teve medo. Então lhe veio em mente uma idéia: O Vinho! Poria a culpa no vinho, obviamente. Pois caso a carta tivesse realmente remetente, era mais fácil pôr a culpa no vinho e resolver a situação.

Era digno?
Será que esse outro príncipe, nessa situação, faria o mesmo ou aprovaria tal atitude? E o capitão não podia nem arriscar pedir conselhos, nesse momento em que se encontrava perdido. E a sinceridade que haviam jurado? - ou quase isso.

Sentou-se. Não chegaria na Floresta hoje; não porque era impossível, mas porque seu corpo parava. Pegou o retrato que copiou para si. Como pode alguém gostar de alguém que só se viu em um retrato? Talvez gostasse mesmo era do retrato e não do que nele estava gravado.

Deitou-se, olhou as estrelas. E para terminar essa parte o mais breve possível, digo que ele disse:

- Amanhã farei um desvio. Talvez Decerto morra, mas antes morro eu se não desviar.

E assim disse seu organismo. Odiava as vezes em que o seguia ao invés da razão, assim como me odeio agora por não ter terminado ainda esta história.

Tentarei ser breve mais uma vez:
Rilke começou a ter sonhos comuns. Sonhos em que ele era apenas ele mesmo, vivendo uma vida comum e fazendo coisas comuns. Quando ele acordava tomava um susto enorme, pois percebia que estava sonhando e não vivendo. Seriamente vos digo: seus sonhos pregavam peças nele, pois o faziam pensar que ele estava acordado, tamanha sua normalidade.

Uma vez - e esse sonho ainda vai ocorrer, pois me adiantei no futuro - Rilke sonhou que seu olho estava com conjuntivite, seu olho direito. Saia muita secreção, tanta que ele mal conseguia enxergar. E ficou se questionando como faria as suas coisas naquele estado. Quando acordou, precisou de quase um minuto inteiro para perceber que aquilo tudo era um enorme sonho.

Tais sonhos metiam medo em Rilke. Eram normais demais.

E eu ainda não terminei essa parte? Ohhh Céus, adoro a vida.

Falta dizer apenas mais uma coisa.
Rilke ligou para Paulo, ambos foram para um lugar - isso já no dia seguinte, começo do desvio da rota do Rilke - conseguir passes para a Mansão. Conseguiram fácil, embora eu ainda me pergunte como os tímidos sobrevivem nesse mundo. E Rilke não parou de perguntar sobre a pessoa do retrato. Como pode?

Agora meu organismo me deu uma vontade súbida de encerrar por aqui, embora eu ainda queira escrever mais alguma coisa. Mas hoje eu tô fraco, falei.

domingo, 31 de agosto de 2008

Cantinho Nosense.

O Nado é o marido da Nada. Mas se não existe Nada, não há lugar para maridos de qualquer tipo. Nado perdeu o seu lugar. Passou a nadar na infinitude das possibilidades da inexistência; sem papel, sem lugar, sem identidade. Nada.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Pensamentos Paralelos

Odeio a vida. Mas só hoje.

Algum dia eu escrevo um manifesto contra a felicidade. Ou melhor: contra a obrigatoriedade da felicidade. Ontem eu estava tão infeliz com a situação que eu resolvi algo novo: abracei a minha infelicidade. E isso me fez tão bem! E eu ainda fiz novos amigos e algumas pessoas que apenas me conheciam passaram a gostar de mim. Cara, eu preciso ficar infeliz mais vezes, falei. Acho que eu conheci um pouco do que é estar em pleno funcionamento. Rogers, estrelinha pra você. Mas eu ainda continuo dizendo que "O ser humano é bom por natureza" é o meu ovo. Algumas vezes eu invejo muitos estilos de escritas de pessoas que conheço. Elas dizem que o meu estilo é peculiar, blá blá blá, mas eu ainda as invejo. Mas agora eu já estou bem. Já tive a compreenção empática, já tive a aceitação incondicional positiva, já tive a congruência na relação, agora só falta me agarrar com alguém. Quer saber, cancei de pessoas que não estão nem tiuíu pra mim. Mas isso não significa que eu vá aceitar os pedidos de casamento que recebo. Talvez eu passe a perna em alguém, talvez eu venda 45% do meu fígado por 4000 doláres, talvez eu me jogue nessas boates da vida ou então eu alugue um filme de romance caixa-da-doença e assista com um pote de sorvete napolitano em mãos. Decidi que esse final de semana eu vou sair. Acha que eu vou deixar de sair pra estudar e tirar nota baixa? Queria publicar um livro. Mas só de saber que ele vai ler capitães de Areia eu me sinto melhor. Queria dizer que eu espero. Enquanto isso eu canto "Eu espeeeeee-eeeee-eeero" nas minhas primeiras notas, minha primeira música, meu primeiro amor. Em G D A: Minha primeira vida encarnada. Aí eu tenho que escrever. Amanhã será a parte vinte da história do Captain Rilke. Decerto, sua embarcação, apodrece, e se ele não chegar a tempo será culpa minha. Porque o capitão continua caminhando em frente e em frente, enquanto eu fiquei parado deixando os fatos se acumularem. Talvez a minha life seja um acumulado de histórias escritas e interminadas. Machado de Assis teria vergonha de mim, falei. Pelo menos eu levo Heidegger pra cama. Ele dá o maior caldo, diz o Google. E Lispector... ela me olha com aquele olhar de quem vê as folhas caíndo no chão em todo outono imperceptível como ele só, enquanto toma uma xícara de chá gelado. E eu não tenho como não amá-la.

Hoje eu odeio a vida, falei. E por isso, doa a quem doer, eu não vou agradecer ao cobrador do ônibus. Mas só hoje.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Parte Quinze: Celebração

O capitão Rilke seguiu caminho por dois dias, chegando então a uma cidade que ficava entre uma floresta, um lago e uma montanha.
Lê entrando ele se deparou com uma grande festa. Todos celebravam os novos guerreiros que pela graça das virtudes das três Deusas conseguiram superar as suas provas finais e se tornaram guerreiros. Era o dia da celebração dos novos guerreiros que lutariam por um mundo melhor. No centro da cidade ficava uma academia e de lá sairiam aqueles que deveriam tornar o mundo um lugar melhor.
O capitão Rilke ficou sabendo disso por causa de um cidadão que festejava. Ele parecia muito responsável. Caminhou um pouco pela cidade, atrás de informações sobre onde poderia conseguir encontrar os três oráculos. Onde estaria o Templo.
- Antes da prova final os guerreiros pedem ajuda aos oráculos. É graças a elas que os guerreiros superaram a prova! Viva aos oráculos!!!, disse um cidadão ao ser questionado, mas isso foi tudo o que ele foi capaz de dizer porque estava embriagado.

O capitão Rilke bebeu dois goles de vinho e observou as pessoas ao redor. Estavam animadas, dançavam, pulavam, bebiam. Bebiam vinho. Havia um ou outro casal se beijando. Então o capitão bebeu mais um gole de vinho.
- Odeio vinho.

Tornou a perguntar sobre o templo, sobre os oráculos. Deu-se conta que algumas das pessoas que estavam na festa não pertenciam à religião que dava base para a celebração. Várias delas inclusive não sabiam nada sobe o templo ou sobre os oráculos.
- Nunca ouvi falar., disse um rapaz antes de beber dois goles de vinho e ir dançar com uma menina.

Que tipo de festa é essa? Se surpreendeu ao ver que os antigos casais se separaram e foram formados novos. É a realidade. Pelo menos existe uma pessoa responsável, que sabe das lendas e conduz parte da cerimônia. Pelo menos um responsável.

A festa corria, pessoas dançando, bebendo, beijando. Como são os nomes dos guerreiros que passaram no teste? Apenas a quarta pessoa para quem ele perguntou soube responder. Era parente dele. A cidade gritando e cantando e o pirata andando e perguntando.

Quis se perder. Por um instante ele se esqueceu de Decerto e da missão que incubira a si próprio. Ninguém o cobraria nem o repreenderia caso ele abandonasse a missão ou falhasse. Encontrou-se com uma amiga de cabelos de fogo, mas ela havia bebido tanto vinho que estava alterada. Queria dar para qualquer um. O capitão a segurou em um canto para que ela não fizesse besteira, e ela começou a chorar. O capitão tentou consolá-la, mas enquanto o fazia tudo voltou aquela mente, e ele começou a chorar a com ela.

Desistiu de se perder. Não havia mais como, Decerto o esperava. Tem coisas das quais não se podem fugir. O compromisso que um homem faz consigo mesmo é uma dessas coisas. Estava livre de qualquer perseguição por parte da mulher com asas que controlava os mortos. Ainda assim, precisava voltar, pois mais importante do que viver era ter uma vida digna.

Escreveu uma carta com o pior de si. Escreveu todas as palavras com rancor que queria dizer. Terminou. Estava de bem consigo mesmo, só faltava enviar para o correio. Era preciso enviar, mas não queria que nenhuma das suas palavras chegasse aos ouvidos do seu destino. Era o pior de si que escrevera aquilo, mas Rilke não é só pior, pois também existe um melhor de si em Rilke.
Colocou a carta no correio. Como não tinha colocado destinatário, a carta não chegaria. Eram palavras que precisavam ser ditas, porém não ouvidas. E depois de enviar a carta ele se sentou e chorou. Haviam algumas pessoas embriagadas chorando também, mas nenhuma chorava como Rilke. Seu choro era autêntico, embora disfarçado de embriagueis, pois nem todo pirata é totalmente corajoso. No final das contas ele ganhou um chocolate.

Teve uma idéia. Foi atrás do homem responsável. Talvez ele soubesse onde estaria o templo. O encontrou beijando duas meninas. Ao mesmo tempo.
Naquele arrisco ou não arrisco, ele aproveitou para arriscar. Pegou o homem responsável em uma brecha e lhe perguntou:
- Onde fica o templo dos oráculos?
O homem responsável o olhou com os tortos olhos.
- É o quê macho?
E voltou a beijar as duas garotas. Ao mesmo tempo.

Perdido, caminhando por aí, andou e pensou. Lembrou das coisas que viveu, lembrou das horas que sofreu. Sentiu a presença do Dragão que o perseguia, o vigiando, chegando sorrateiramente, mas não se importou. Nada mais importava. Seu coração estava o levando. Seus olhos não viam o que viam, estavam voltados para dentro.

- Você! Que dia é hoje?
- É dia de alegria e de festa., disse o homem no chão sem forças para se erguer e segurando uma garrafa de vinho quase vazia (parte do seu conteúdo estava no chão).

Caminhou.

Quando deu por si, estava na frente do templo. Arriscou entrar e se deparou com umas doze pessoas que agradeciam aos oráculos pelas conquistas dos jovens enquanto o resto da cidade festejava e bebia. Parou em frente a uma estatua de três jovens.

- Com licença, onde eu encontro os três oráculos?
O clérigo lhe respondeu.
- Estão diante de você.

Rilke observou as estátuas – na verdade era uma só. Das três mulheres uma estava claramente em movimento, outra segurava uma lira enquanto a terceira estava parecendo falar.

- Os três oráculos vieram para o mundo faz muito tempo, mas as pessoas não as reconheceram e as abandonaram. Ainda assim, elas suportaram muitas coisas para tornar essas terras um lugar pacífico. Enfrentaram os três monstros que dominavam essa região.
- Na floresta, na montanha e no lago. É?
- Sim. Exatamente. Mas, o que você procura viajante?
- Respostas.

- Uma delas toca música, a outra dança e a terceira canta e declama poesias. São as Deusas da coragem, da força e da sabedoria.

- Um dia um viajante de longe aparecerá e...
- Obrigado pela sua ajuda.
- Já vai?
- Sim. Já sei as respostas das perguntas as quais não conheço.

E foi assim que aconteceu, naquelas poucas frases enquanto a cidade celebrava.